domingo, 25 de janeiro de 2009

No rastro de Sérgio Ferro - Resenha 03:


Arquitetura Nova (1967)

Publicado originalmente na revista Teoria e Prática, n. 1, pp.3-15. Posteriormente reeditado em Arte em Revista, n. 4 (1980) e Espaço e Debate, n. 40 (1997).


Antes de ser apenas um texto que caracteriza a obra de Sérgio Ferro sob o corte de perspectivas do golpe militar de 1964, “Arquitetura Nova” foi um grupo em ação dentro e fora da FAUUSP desde 1962, constituído por ele mesmo, Rodrigo Lefèvre e Flávio Império, a primeira geração de arquitetos “modernos” pós-Brasília, chegaram a constituir escritório com vários projetos experimentais, como já exposto na resenha 02. “Durante o regime militar, Sérgio Ferro, assim como seus companheiros da Arquitetura Nova, relacionou-se ao Partido Comunista, mas o PC não chegou a aceitar sua crítica da arquitetura. Juntou-se à Aliança Libertadora Nacional, de Carlos Marighella.” (ver: Wikipédia). A partir de então, seus caminhos foram tortuosos até o exílio na França na década de setenta.


Em meio à efervescência política dos anos sessenta, Sérgio lança ao contexto brasileiro este texto caloroso, que não perdeu atualidade em muitos aspectos. Em especial quando analisa as contradições que apareciam nas “estruturas” arquitetônicas de então: seu conteúdo – que enunciava as soluções de massa e a democracia – e sua lógica construtiva começam a esvaziar-se, escorregando para “gestos ilusionistas”, para uma “racionalidade mentirosa”, conformando-se à nova situação: a encomenda individual da residência burguesa em meio à necessidade de soluções de massa. Com isto, o grupo traz à tona o debate sobre a relação entre “conteúdo / estrutura” e “superestrutura / infra-estrutura” para o contexto da arquitetura, do qual falaremos mais tarde.


Sérgio nota a contradição entre forma estética e conteúdo social na arquitetura, na promessa de “desenvolvimento” (conteúdo) e na lógica construtiva que a racionalidade enunciava (que agora se esvaziava para adaptar-se). Impulsionada pelo golpe militar, a arquitetura não sofreu retrocesso formal (os militares não “exumaram” estilos do passado): houve uma reafirmação das posições originais, que sofreram uma violenta inversão no conteúdo social. A crítica, neste momento, se volta contra uma arquitetura modernista tautológica (sob o signo da auto-referência) e a produção arquitetônica instituída no Brasil de uma forma geral, estabelecendo-se especificamente como um “contraponto teórico” à obra e a escola do antigo mentor do grupo, o professor Vilanova Artigas. Artigas, também ligado ao PC, acreditava na força de antecipação da vanguarda, mas Sérgio acreditava que suas obras eram mais propostas para depois ou estímulos para mudanças do que armas para a luta. Segundo Sérgio, em entrevista à revista Crítica Marxista, “Artigas estava convencido – como quase toda esquerda de então – que a transformação viria do avanço das forças produtivas.” Porém, “a crítica posterior ao fracasso das economias ditas socialistas que abriu o debate sobre as relações de produção – meu eixo de trabalho – não era do seu tempo.”


Sérgio acaba por compreender que, mesmo num desenho sóbrio e fácil de ser ensinado e produzido, a somatória das duas solicitações adversas (a obra em si e a teoria modificadora - de background da obra) produz construções híbridas e desconexas, sinais de contradição não superada. Nisto a obra toma caráter de denúncia, porém o arquiteto acaba por agir na faixa que o sistema o atribui (a arquitetura), aceitando a fragmentação da particularidade (necessidades práticas da obra), que acaba por diluir a crítica. A obra, complexa demais, já não comunica e o arquiteto, complexo demais, já não é ouvido. “Dentro da arquitetura, este é o limite da atitude crítica: a radicalização da contradição até o absurdo. Esta situação, obviamente, é insuperável por caminhos arquitetônicos.” O conteúdo não resiste a infinitas variações formais, principalmente quando comprometido com uma realidade oposta.


O que levou Sérgio, juntamente com Rodrigo Lefèvre e Diógenes José Carvalho Oliveira, supostamente, a colocar uma bomba-relógio no sub-solo do Conjunto Nacional, em São PauloU.S. Information Agency), tendemos a acreditar, não foi uma atitude de otimismo em relação à profissão. Mesmo assim foi “acusado” em certa ocasião por um estudante situacionista em uma palestra de 1968: O senhor é um traidor! O Senhor nos dá esperanças!


Cremos que o problema da profissão exposto por Sérgio neste texto venha ser uma falta de perspectivas de mudança que avançava sobre o fazer da profissão, que continua a homogeneizar o trabalho, tanto do técnico quanto do trabalhador, até a atualidade. As obras não expressam mais conteúdos sociais, expressam as relações sob o capital: quando Sérgio fala da prática da profissão, a conclusão nos é clara: “sua afirmação só é possível dentro de um projeto (capitalismo) que os compromete”.

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