quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

No rastro de Sérgio Ferro - Resenha 02:


Arquitetura Experimental (1965)

Seleção (rebatizada) de textos que acompanham a apresentação de projetos de Sérgio Ferro, Rodrigo Lefevre e Flávio Império na revista Acrópole, n. 319, p. 23-44.


Neste ponto partimos da “poética da economia”. É neste texto que pela primeira vez os três arquitetos apresentam este conceito de forma experimental e mostram no que ele se diferencia da ideologia modernista, então fortemente dominante. Cabe dizer que hoje esta ideologia ainda é fortemente dominante dentro da academia, que, teoricamente, é onde se teria maior liberdade de experimentar. O texto começa com algumas frases bastante críticas de Flávio Império, principalmente ao espírito da época, que poderiam ter sido escritas semana passada:


Há quem se sinta profundamente moderno por afirmar que o nosso século é ‘caótico’ e que o mundo do nosso tempo é ‘non sense’. (...). O ‘caótico’ nasce de uma comparação simplista da aparência dos fatos ou duma ânsia idealista de significações finais para a ‘explicação’ do Universo.


Com isto, Flávio parece estar introduzindo a idéia de que o sentimento de “caos” que dominava nos meios nos quais se pensava a arquitetura buscavam os sistemas fechados em contraponto, o caos era levado em conta somente “incentivando o conforto heróico-masoquista dos dramas pessoais”. Argumenta que, para se “reter a história”, precisa-se buscar sistemas não-finalistas e móveis que permitam o conhecimento. “Conhecimento como forma de participação e não como explicação definitiva, instrumento de verificação e não ‘a verdade’.” Com estes argumentos, mostra que o significado social da arquitetura burguesa e modernista afasta a própria arquitetura dos vínculos mais objetivos com a realidade, o que a impede de agir no seu verdadeiro campo.


Rodrigo Lefèvre argumenta que a mais alta racionalidade dos países “desenvolvidos” não parece mais do que irracionalidade naquele momento no Brasil. Mesmo assim tentava-se importar modelos, o resultado foi subserviência e marginalidade da profissão, ou pior, Arquitetura como artigo de luxo.


Sérgio Ferro argumenta, dando continuidade, que somos impedidos de agir em nossas verdadeiras atribuições. Neste sentido nossas realizações são poucas e restritas, gerando uma ansiedade pela frustração crescente. Esta frustração adquire um caráter programático e militante: denuncia, fazendo papel de arquitetura de laboratório, ensaia inúmeras possibilidades técnicas e espaciais numa atitude de estímulo a transformações sociais profundas. “Não há como encontrar linguagem harmônica em tempos desarmônicos. Mas, e é o essencial, (o arquiteto) procura participar, dentro de um pensamento eminentemente crítico no momento presente.”


Após esta apresentação seguem-se cinco obras “experimentais” com algumas anotações valiosas em cada uma delas. Chama atenção a experiência frustrada da “Residência Boris Fausto”, no Butantã, com vedação industrializada. Frustrada não por causa dos trabalhadores, que se adaptaram muito bem à nova técnica, mas, segundo os arquitetos, as placas de vedação não corresponderam às amostras, vieram com defeito de fabricação, e acabou sendo necessário o uso de mata-juntas que não estavam previstas. Completa-se o quadro da obra: uma cobertura apoiada em quatro pilares formando terraços cobertos e a instalação elétrica aparente, fator de economia.


Residência Boris Fausto, Av. Afrânio Peixoto, SP, 1961. Arquiteto Sérgio Ferro


O que realmente chama atenção é que esta foi uma obra de transição. Após esta experiência o grupo de arquitetos decide explorar a possibilidade de racionalização das técnicas e materiais populares e tradicionais, descolando-se definitivamente da “modernidade construtiva”. Assim veio a “residência Bernardo Issler”, projeto de Sérgio Ferro. Esta obra parece ser determinante na “tese” que virá logo em 1976:


Residência Bernardo Issler, Granja Viana, Cotia, 1961. Arquiteto Sérgio Ferro - Fonte: Vitruvius


Sua racionalização, despreocupada com sutilezas formais e requintes de acabamento, associada a uma interpretação correta de nossas necessidades, não só favorece o surgimento de uma arquitetura sóbria e rude, mas também estimula a atividade criadora viva e contemporânea, que substitui, muitas vezes com base no improviso, o rebuscado desenho de prancheta.


Eis a “poética da economia”. O que também parece ser o gérmen que mais tarde dará origem à sua crítica ao brutalismo corbusiano, argumentando que na Europa ele não foi muito mais do que um estilo, mas nos países pobres ele é uma necessidade real que, inclusive, já era praticada, reivindicando para nós, tupiniquins, numa atitude irônica, o “brutalismo caboclo”.


Obs.: Cabe ressaltar que este tipo de abóbodas auto portantes começou a ser documentada no Uruguai só 1964 no trabalho do Arq. Eládio Dieste, que utilizava a tecnologia desde algum tempo antes de 1962 em forma de “bóvedas gausas”. Levando em consideração que a residência de Cotia foi construída em 1961 e a primeira residência construída por Dieste com a mesma tecnologia foi sua própria residência, em 1968, o grupo de arquitetos foi o primeiro a trazer este tipo de tecnologia de blocos cozidos para o “programa residência”. Este tipo de tecnologia é, em realidade, resgate de técnicas vernaculares, porém adaptadas ás forças produtivas da época.


Estas experiências foram interrompidas pelo golpe militar de 1964, o que caracterizou a obra de Sérgio Ferro sob o título de “Arquitetura nova” em 1967, sob o “corte”, a interrupção da esperança de transformação social que se prefigurava no Brasil.


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