De longe vem uma identidade marcada na arquitetura: a da renovação heróica da cidade - principalmente no sentido que Debord dá ao Mito do Herói. Desde os "visonários" do séc. XVIII como Ledoux, Boullé e Lequeu até as auto-referentes estruturas da Bigness de Koolhaas/OMA e dos exageros do B.I.G se busca a transfiguração do cotidiano no épico e essencialmente em algo melhor do que é atravé de uma larga dose de grandiosidade. Como no espelho de Alice, se invertem as figuras e se ideologiza a retórica de maneira a justificar um mundo melhor no futuro, uma revolução salvadora, uma promessa para a próxima geração.
Nesta tendência, temos nossos modernos sessentistas - com destaque especial para o pritzkerprizewinner Paulo Mendes da Rocha - e sua discussão sobre o progresso produtivo como o possível caminho para a ampla emancipação da sociedade. Não me alongo nesse assunto, ao invés, aponto para as resenhas do F.Drago aqui no arqforum sobre o contraponto: nosso suicida (do metier) predileto, Sérgio Ferro (resenhas 1, 2, 3 e 4).
O que acho interessante na posição criticada por S. Ferro - assim como extremamente pertinente nos diálogos atuais - é da recorrência das crenças no futuro como solução para todos os problemas que temos no presente, especialmente através do desenvolvimento material ou tecnológico. Isso, ao invés de apontar para o crescimento sustentado das iniciativas, tem muito mais apontado para os ready-mades as soluções totais, as super-construções e realização que contenham, dentro de sí e uma vez completas, todos os elementos necessários.
O que acho interessante na posição criticada por S. Ferro - assim como extremamente pertinente nos diálogos atuais - é da recorrência das crenças no futuro como solução para todos os problemas que temos no presente, especialmente através do desenvolvimento material ou tecnológico. Isso, ao invés de apontar para o crescimento sustentado das iniciativas, tem muito mais apontado para os ready-mades as soluções totais, as super-construções e realização que contenham, dentro de sí e uma vez completas, todos os elementos necessários.
Essa ideologia, com forte sotaque positivista, mesmo quando dita contemporaneamente, se mostra avessa a qualquer teoria mais firme, seja através da crítica arquitetônica ou pela própria filosofia. Em outras palavras, coloca para o futuro a prova irrefutável - pois ainda não aconteceu - de sua validade, ideologizando e tornando difuso o discurso de maneira muito mais política do que teórica. Como comentei no post sobre Estruturas, Variação, Conexões e Liberdades, estas soluções completas jamais alcançam a real totalidade dos fatos. No máximo conseguem solapar as sensibilidades da realidade (e dos sujeitos portanto) num todo inclusivo e totalitário, anti-libertário por mais amplo e contínuo que seja.
Ilustrando isso, lanço mão de algumas estruturas marcantes na história da "arquitetura visionária", desde o século XVIII ao nosso XXI. Antes, porém, uma citação sobre o livro Cidade Genérica do Koolhaas, retirada e traduzida livremente a partir do artigo sobre Koolhaas na Wikipedia "[AS] Pessoas podem habitar qualquer coisa. Assim como podem ser miseráveis em qualquer coisa e extáticas por qualquer coisa. Mais e mais penso que a arquitetura nada tem a ver com isso. Claro, isso é tanto libertador quanto alarmante. No entanto, a cidade genérica, a condição urbana geral, acontece em todo lugar e apenas o fato de que ocorre em quantidades enormes deve significar que é habitável. A arquitetura não pode fazer qualquer coisa que a cultura não faça. Nós todos reclamamos que somos confrontados por ambientes urbanos que são completamente parecidos. Dizemos que queremos criar beleza, identidade, qualidade, singularidade. No entanto, e talvez em verdade, estas cidades que temos são desejadas. Talvez sua própria falta de caráter proveja o melhor contexto para se viver."
Vou propositadamente deixar no ar esta contradição sem fazer qualquer juízo ainda, de modo que em posts posteriores se possa discutir as implicações reais e potenciais de cada postura, da cidade-genérica, da cidade-controle [do estado?, do mercado?], da cidade-enquanto-processo, etc.
Vamos ao que interessa:Ilustrando isso, lanço mão de algumas estruturas marcantes na história da "arquitetura visionária", desde o século XVIII ao nosso XXI. Antes, porém, uma citação sobre o livro Cidade Genérica do Koolhaas, retirada e traduzida livremente a partir do artigo sobre Koolhaas na Wikipedia "[AS] Pessoas podem habitar qualquer coisa. Assim como podem ser miseráveis em qualquer coisa e extáticas por qualquer coisa. Mais e mais penso que a arquitetura nada tem a ver com isso. Claro, isso é tanto libertador quanto alarmante. No entanto, a cidade genérica, a condição urbana geral, acontece em todo lugar e apenas o fato de que ocorre em quantidades enormes deve significar que é habitável. A arquitetura não pode fazer qualquer coisa que a cultura não faça. Nós todos reclamamos que somos confrontados por ambientes urbanos que são completamente parecidos. Dizemos que queremos criar beleza, identidade, qualidade, singularidade. No entanto, e talvez em verdade, estas cidades que temos são desejadas. Talvez sua própria falta de caráter proveja o melhor contexto para se viver."
Vou propositadamente deixar no ar esta contradição sem fazer qualquer juízo ainda, de modo que em posts posteriores se possa discutir as implicações reais e potenciais de cada postura, da cidade-genérica, da cidade-controle [do estado?, do mercado?], da cidade-enquanto-processo, etc.
Claude-Nicholas Ledoux - a utopia da monarquia francesa do séc. XVIII.
A necessidade de ordem clara, que vai desde a organização das referências simbólicas a geometria, simetria e clareza das formas - inspirada no classicismo, mas grandiosa e não-contextualista - mostram uma fortíssima marca do iluminismo, antevendo as idéias de Comte do positivismo.
As salinas em Arc-et-Senans (1774-1779)
Étienne-Louis Boullée - racionalidade geométrica de inspiração neoclássica:
Deuxieme projet pour la Bibliotheque du Roi (1785)
Cénotaphe a Newton (1784)
Antonio Sant'Elia - futurista moderno pelo progresso e libertação
Modernismo herórico de primeira linha, Sant'Elia marca uma tentativa de quebra com o passado neo-clássico típica do início do século XX e propõe, como veremos em Metropolis de F. Lang, uma grandiosa cidade, onde a geometria mais pura e precisa do cálculo, fruto da racionalidade e da ciência sobre o mundo se tornarão belas e magníficas.
Studio per Centrale Elettrica (1914)
Studio per Centrale Elettrica (1914)
Constant e New Babylon
Um dos preferidos da casa, buscou expressar a autonomia da vida atingida pelo Homo Ludens na forma de cidades contínuas, mutantes e perfeitas para a realização do jogo e das situações em todos os momentos.
Symbolische voorstelling van New Babylon (1969)
vista de um setor (1959)
Archigram - plugues, cidades ambulantes
As esquisitices maravilhosas de Peter Cook e sua turma ainda nos deixam de queixos caídos. A proposta arquitetônica, no entanto, muito se assemelha ao que já foi lançado por Constant e por outros "totalitários": a solução única, mesmo que neste caso plural e um tanto caótica.
Plug-in City (1964)
Plug-in City (1964)
Koolhaas - uma visão total do caos
Com uma retórica maravilhosamente acompanhada de imagens em centenas de livros, revistas, sites, entrevistas e palestras o mais midiático dos arquitetos define, em seu livro S, M, L, XL um verdadeiro paradigma da arquitetura grandiosa e completa-em-sí-mesma. Partindo de exemplos reais, eventos absolutamente cotidianos e medíocres até mesmo, Koolhaas chega na definição desta autonomização da realidade dos shopping-centers, aeroportos, terminais de passageiros, museus, etc quando atingem uma determinada escalaAo serem enormes, deixam de se comunicar dialogicamente com o seu contexto para definir, unívocamente, qual será o contexto, que forma se dará ao conjunto. Colocada de outra forma, são o contexto.
casa em Bordeaux (1998)
esquema estrutural da Biblioteca Pública de Seattle (2004)
BIG - uma iconografia construída em proporções assombrosas
Propondo não somente a construção de elementos totais, mas ainda uma identificação clara do status de símbolo/marco para sua arquitetura, o Bjarke Ingels Group parte da visão bastante prolixa e libertina, mesmo que totalitária, de Koolhaas, onde Ingels trabalhou durante anos. Mais que uma opção estética, se trata da estratégia de encarar o mundo como a construir ou por fazer, o que, como diz o holandês Koolhaas é terrivelmente libertador, ou libera um terror de possibilidades de controle, domínio e mesmo ficção de realidade. É quase como se interpretasse os ensinamentos da realidade como processo do pós-modernismo e os virasse de ponta-cabeça para dizer: "já que existem múltiplas visões de realidade, vou transformar a realidade tal qual a minha visão dela".
Torres Lego em Copenhagem (2007)
Torres Walter em Praga (2009)
Com isso, encerro, mas permito uma deixa para um post futuro sobre estas mega-estruturas e suas possibilidades enquanto utopias, enquanto realidades-fabricadas e principalmente, em relação a ainda presente importância do desenho na realização de uma arquitetura enquanto processo.