sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Planos Locais de Habitação e o dilema de pensar no futuro no Brasil

O ESTABELECIMENTO CONTEMPORÂNEO DA POLÍTICA HABITACIONAL MUNICIPAL

Os Planos Locais de Habitação de Interesse Social (PLHIS) são a expressão na escala municipal da política habitacional do governo federal a partir do estabelecimento do Estatuto das Cidades em 2001. A grande tarefa é, num sentido mais estreito, criar o planejamento deste tema nos Brasil inteiro, a partir de diretrizes universalizantes da escala federal que vão se transformando em políticas públicas na escala municipal na forma de programas, projetos e ações de curto, médio e longo prazo.

Como não é interesse aqui apresentar o que são os PLHIS ou discorrer generalizadamente sobre eles, proponho abrir a discussão com este tema mais específico, resistindo ao impulso de derivar para críticas ou promessas metodológicas e operacionais de soluções para a habitação.

A formulação do PLHIS deve ser oportunidade de organização das ações do município – ações existentes ou não, desencontradas, fragmentadas, escassas, ocasionais – rumo a uma política habitacional. Nesse sentido, é – após o Plano Diretor, que em tese todos os municíopios fizeram e vivenciaram como “fenômeno” social e político – uma iniciativa que recoloca a chance de estudar e entender a cidade, explicitando sua estrutura física e sócio-econômica, sempre em bases espaciais, determinando, portanto,
o que, como e principalmente onde).

Formaliza, portanto, a política pública de habitação de maneira a orientar e a permitir seu acompanhamento a curto, médio e longo prazo. Em consonância com o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social, os municípios também devem compor seus próprios Sistemas Municipais. A tese aqui é a de que se afastarão do causuismo ou oportunismo de buscar os recursos disponíveis baseados na conjuntura ou nas alianças políticas e econômicas de cada momento em direção a um caminho sustentado, analisado, verificável e previsível no tempo e espaço. Não serão os técnicos envolvidos com a realidade cotidana dos municípios e as caracerísticas mais terrenas – ou mesmo poeirentas – de seus territórios, no entanto, que acreditarão ou repetirão de maneira hipócrita uma hipótese que sabem não se consolidar imediatamente e que enfrentará, hoje ainda e por bastante tempo, resistências e contradições estruturais da gestão pública brasileira.

Os PLHIS entram como que “vestidos para a ocasião errada”, numa cultura de imediatismo não-planejado, pouco transparente e, de maneira mais grave na provisão habitacional que em outros segmentos, marcada pelo populismo eleitoral. Técnicos e funcionários municipais despreparados para a famosa accountability junto a sociedade, que têm visão formalista da prestação de contas e entendem a co-gestão como entrave na aplicação de sua experiência em ações práticas; estruturas de gestão labirínticas, conselhos pouco ou sequer organizados, fundos municipais sem recursos ou diretrizes de aplicação e execução dos instrumentos urbanísticos para gestão da terra inexistente ou circunscrita a formalização das tragédias existentes são alguns das contradições sobre as quais se sobrepõem em uma situação onde mesmo os Planos Pluri-anuais são o reconhecimento dos grandes volumes ocupados com as despesas municipais e da pequena parcela disponível – como um resto – para investimentos e melhoria dos serviços públicos.

Nesse contexto, percebe-se que, apesar de sua formalização e ideario “republicano” de execução, a política habitacional idealizada e cuja vanguarda são os PLHIS depende – para sua consolidação enquanto modelo de gestão prevalente – de saltos qualitativos importantes em todos os níveis de governo e que produzam impacto junto a sociedade civil – organizada social ou mercadológicamente. É interessante portanto – de maneira paradoxal ao menos – notar que no mesmo momento histórico em que o Governo Federal consolida – através de intenso e dispendioso esforço – o planejamento nacional do desenvolvimento urbano, desenvolve o maior programa habitacional da história do país (em termos de volume de recursos destinado ao menos) sem que este atente, sequer em suas idealizadas diretrizes, ao planejamento das cidades.

Visto pelo ângulo da finalidade, o PLHIS é elhor do que o Plano Diretor, por ser mais concreto, objetivo, real, desde a sua finalidade – que impõe uma abordagem determinada por tratar de um tema específico – a habitação – e por exigir a construção de um projeto ao seu final. Gera um documento que efetivamente serve como guia, como plano, ao propor ações e programas bem determinados, cronogramas, fontes de financiamento, metas e mesmo um sistema de monitoramento permanente com atenção a eficiência das ações e eficácia dos programas.

Esta condição formalizada dos encaminhamentos da política habitacional através de documento público – o Plano propriamente dito – é dos aspectos mais importantes na relação do poder público e população no âmbito da política habitacional. Para além dos quesitos de organização da gestão e mais próximo da execução das ações das políticas públicas, os PLHIS estabelecem caminhos com um princípio diagnosticado, pontos intermediários verificáveis e final objetivo para a ação de combate ao déficit que pode, de maneira facilitada (mas não garantida), abrigar a deliberação da sociedade através das estruturas conselhistas criadas. As ações passam a contar com termômetro de sua efetivação, que atesta a velocidade e qualidade com as quais produzem a cidade através da habitação social. Este aspecto instrumental da formalização da situação habitacional das cidades permite tanto aos gestores públicos interessados quanto a sociedade demandante organizada e o empresariado através de seus interesses realizar atividades de consertação de suas ações com horizontes a médio e longo prazo.

Assim, mesmo tendo característica administrativa – a sua base – tem desdobramentos espaciais e na forma de propostas (de investigação, como proposição de cenários, estudo de “viabilidades” e outros) concretas de curto prazo e sob a responsabilidade de agentes (desde já) determinados (poder público e privados articulados) ao contrário do Plano Diretor que é uma “carta de intenções” que remete a uma cidade ideal cuja concretização se dá em longo prazo e por múltiplos agentes desarticulados, ou seja, não se sabe quem fará o que e o cenário dificilmente se realiza, a bem dizer nunca se realiza por completo.

Repete, portanto, a estruturação mencionada acima de maneira territorial e através de agentes e escopos definidos. Encarna essa visão do compartilhamento das responsabilidades – e do poder e benefícios – sobre a política habitacional onde a sociedade como um todo deve atuar. Seja através de punições ao mau-uso e incentivos ao uso da terra urbana, esclarecimento quanto a destinação dos espaços da cidade, fomento a ação organizada das populações mais interessadas na produção pública de habitação, promoção da ação privada e organização dos investimentos públicos, os PLHIS podem consolidar em bases territoriais – reais e vivenciáveis portanto – as políticas públicas de habitação em escala local.

Este potencial depende logicamente das condições e dos limites impostos a sua formulação pelos diferentes agentes responsáveis e inerentes a sua aplicação pelo poder público sociedade civil dos municípios. No que tange aos técnicos envolvidos na sua produção enquanto documento, percebem-se contradições e limites da prática profissional. Alguns auto-impostos, outros conjunturais, mas que apontam a um grau de desigualdade entre os diversos PLHIS produzidos recentemente. Pretende-se explorar um pouco mais estes aspectos do “processo PLHIS” nos posts que seguirão este, se tudo correr bem.

Este artigo está sendo escrito a seis mãos, entre mim e os arquitetos Júlio C. Vargas e Tiago Holzmann da Silva.

DAS HABITATE

Por aqui andamos escrevendo artigos sobre temas habitados como a Comunidade Autônoma Utopia e Luta e sobre os Planos de Habitação.
Vou aproveitar e colocar algumas das discussões que temos tido menos moderadamente por aqui enquanto a versão final e mais séria não sai.