sábado, 23 de agosto de 2008

No caminho da sustentabilidade


“Menos justificável é a persistência de diretrizes tecnológicas que ignoram os ecossistemas em suas concepções, impondo um fluxo interminável de necessidades e intervenções que se traduzem em gastos crescentes de energia e capital, num processo onde a sustentabilidade é extremamente questionável.”



Será que chegaremos a superar um momento histórico tão assustador quanto o nosso? Este tema clama sua dimensão subjetiva mais que qualquer outro. Na arquitetura esta temática é tratada de forma razoável em termos de "sustentabilidade".


Neste contexto, um livrinho no qual tropecei ha pouco me fez entender um pouco mais sobre esta dimensão estética, simbólica e técnica (intimimamente ligada a tecnologia) da “ciência”. O que parece é que a ciência, que se pretende neutra através de discursos, é, principalmente hoje, completamente ideológica. Esta ideologia científica e a dominação tecnológica trabalham no campo simbólico da repressão de tudo quanto não “faça sentido” para ela e acaba com conhecimentos muito mais profundos do que ela sequer pretende admitir que existam. Mas o que não faz sentido para a ciência hoje? O que não faz sentido são as questões que tratam justamente da superação de tal momento histórico.


Bueno, chega de papo, transcrevo alguns trechos deste livro.


IVAN, J.L. 1995 (2º edição) - Pomar ou Floresta: princípios para manejo de agroecossistemas. Rio de Janeiro, RJ AS-PTA/Ipê, RS- Centro de Agricultura Ecológica-Ipê. 96 pp.



Comentários sobre o método científico

Os indígenas, há milhares de anos, observam a natureza, intuem, deduzem e experimentam, construindo seu saber.


É significativo que a classificação de plantas, insetos e outros animais feita por eles se baseie em características comportamentais, utilitárias, sensoriais, etc. O ser vivo é analisado como tal dentro de inter-relações do ecossistema.


Gato sofrendo vivisecção


Já a ciência ocidental classifica através do isolamento, da vivisseção e da análise fragmentada. A própria ecologia é uma ciência recente e ainda bastante influenciada pelo espírito cartesiano da biologia do século XIX. Mesmo após anos de estudo e experiências de campo, um etmologista gabaritado precisa matar uma abelha para identificá-la com auxílio de equipamentos ópticos. Um índio caiapó, com 12 anos de idade, irá classificá-la pelo zumbido de seu vôo, pela maneira como entra na colméia, , pelo ritual de vôo antes de entrar e, como recurso final, pelo cheiro que exala ao ser esmagada e pelos seus caracteres morfológicos. A morte, a priori, não só é desnecessária como elimina as possibilidades de uma perfeita identificação. Este processo de compreensão dos ecossistemas tornou-se possível através da transmissão oral dos conhecimentos, de geração para geração, durante milhares de anos, em sociedades onde viver é sinônimo de aprender.


Portanto é compreensível que, com menos de 200 anos nos trópicos e subtrópicos, a agricultura desenvolvida pelos imigrantes europeus no Brasil apresente tantos equívocos em relação ao manejo dos ecossistemas nativos.


Menos justificável é a persistência de diretrizes tecnológicas que ignoram os ecossistemas em suas concepções, impondo um fluxo interminável de necessidades e intervenções que se traduzem em gastos crescentes de energia e capital, num processo onde a sustentabilidade é extremamente questionável.


Assim dois pontos são fundamentais para basear nosso trabalho: primeiro, o saber local é importante, mas deve ser contextualizado dentro de uma perspectiva histórica. Num país como o Brasil, o pequeno agricultor do sul tem menos de 200 anos de convivência com os ecossistemas e o conhecimento indígena foi praticamente dizimado. (...).


Na medida em que a ciência avança, inclusive na sua própria epistemologia, ou seja, quando suas próprias bases são renovadas no sentido do holismo, a compreensão dos fenômenos naturais não ocorre mais de forma reducionista e compartimentada. Neste ponto começam a surgir infinitas possibilidades para a convivência humana. É o momento para o reconhecimento do homem como parte da teia da vida, não como centro ou criador. (...).


“Os animais se dividem em* (segundo uma enciclopédia chinesa):

  • Pertencentes ao imperador;
  • Embalsamados;
  • Leitões;
  • Sereias;
  • Fabulosos;
  • Cães em liberdade;
  • Incluídos na presente classificação;
  • Que se agitam como loucos;
  • Inumeráveis;
  • Desenhados com um pincel muito fino de pelo de camelo;
  • ET Cetera;
  • Que acabam de quebrar a bilha;
  • Que de longe parecem moscas.”


A incapacidade de reconhecer uma nova ordem que não seja a nossa traz consigo uma estrutura científica legada pelo autoritarismo e que não consegue ver a vida como um eterno pulsar de possibilidades.


(...)


Uma crítica radical aos pressupostos da metodologia científica demonstra, com evidências inequívocas, a importância da ruptura com o sistema de princípios firmes, imutáveis e absolutos. Paul Feierabend considera que: “A coerência, por força da qual se exige que as hipóteses novas se ajustem às teorias aceitas é desarrazoada, pois preserva a teoria mais antiga e não a melhor.” Uma comparação científica entre duas teorias só é possível quando for observado o contexto daquela que está sendo testada.


* FOUCAULT, Michel. As Palavras e as Coisas: uma arqueologia das ciências humanas


Um comentário:

Alê: o Pereira disse...

hahaha bom te ver de volta!
Quanto ao livro, é realmente isso cara, vivisivicisifar as pessoas pra fazer a cidade pra elas e vice e versa! Adorei o ultimo parágrafo "preserva a teoria mais antiga e não a melhor" hahaha. muito racional, porque não?