segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Bicicletas em Porto Alegre

Na idéia de contribuir nessa função que se criou sobre o acorrentamento das bicicletas no Mercado Público de Porto Alegre, sugiro que ao contrário de saudarmos como heróis os culpados pela situação chegar até aqui (no caso a SMIC com sua postura arrogante, a SMOV com o descaso que tem com o espaço público, a EPTC com a total dedicação do trânsito para os automóveis e a Prefeitura em geral pela mentalidade anti-urbana que tem tido durante MUITO tempo), a gente apoie uma iniciativa que poderia solucionar parte do problema e, mesmo não sendo a solução final do problema, parte de uma base super pragmática e fácil de implementar. 
O que é?
Um projeto de lei que obriga a oferta de vagas para bicicletas em (quase) todos os locais em que há vagas para carros.

Tenho aqui no escritório tanto a lei proposta como o abaixo-assinado de apoio a ela. Quem quiser, também pode imprimir e me entregar que faço o contato com o pessoal que está tocando a iniciativa, que são o Poabikers, a ACZS, a Massa Crítica/PoA e a Associação AUDAX.

Sobre a lei proposta, gostaria de destacar algumas coisas (até pra esclarecer):
  • Prevê a inclusão obrigatória  de vagas para bicicletas em todos os estacionamentos comerciais de Porto Alegre e naqueles oferecidos por estabelecimentos de comércio e serviços aos seus clientes (que tenham mais de 10 vagas);
  • número de vagas para bicicletas é proporcional ao número de vagas total do estacionamento, de 2 a 20 vagas para bike, a partir de um mínimo (5 vagas para bicicletas para estacionamentos comerciais com até 25 vagas para carros e 2 vagas para bicicleta para estacionamentos de lojas);
  • está proposta a cobrança de um valor igual a metade da passagem de ônibus municipal para cada turno de estacionamento (de modo a formalizar o estacionamento e para não penalizar o estabelecimento. pensou-se que pagando 2 turnos já vale a pena em relação ao ônibus, por exemplo);
  • Assim como para com os carros, os estabelecimentos ficam responsáveis pelas bicicletas estacionadas;
  • Já temos mais de 1.000 assinaturas, mas buscamos ao menos 3.000 para levar a iniciativa aos vereadores.
Mais informaçõe s, sugiro este link do Poabikers com a explicação e o texto da lei e este outro link com a folha para coleta de assinaturas. Essa folha, pode ser preenchida e entregue a mim ou na loja M Bike da Av. Santana esq. Olavo Bilac. 

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Das habitate II

Continuando o post do início de setembro, vou colocar aqui os dois artigos que escrevemos recentemente para o Congresso Mundial do IFHP que aconteceu aqui em PoA.
O primeiro se trata da Comunidade Autônoma Utopia e Luta, foi escrito por Alexandre Pereira e por Felipe Drago e segue assim:

O confronto político na Comunidade Autônoma Utopia e Luta

resumo: "O artigo se dedica a compreender o confronto político na Comunidade Autonoma utopia e Luta através da “teoria da ação coletiva” de Sidney Tarrow. Para tanto foram escolhidos aspectos principais do confronto como as estruturas de oportunidades e restrições políticas e a formação de quadros interpretativos de apoio ao confronto. Por trás disto, está o interesse em expor aos planejadores urbanos os resultados desta dinâmica, compreendendo que os movimentos sociais urbanos são alguns dos principais catalisadores da mudança social e, por decorrência, espacial das cidades. Neste contexto o grupo analisado se destaca por se tratar da primeira comunidade a receber repasse de edificação desocupada da União em área central de Porto Alegre, reformada através da auto-gestão para fins habitacionais."
Palavras-chave: Movimentos Sociais; Habitação; Política Pública






O segundo artigo foi escrito por Alexandre Pereira Santos, Júlio Celso Vargas e Tiago Holzmann da Silva sobre a prática profissional ao redor dos Planos Locais de Habitação de Interesse Social, segue:
A Nova Política Habitacional Brasileira e a prática do Planejamento Urbano: o Plano Local de Habitação de Interesse Social (PLHIS) como matéria de interesse urbanístico

Resumo: "este trabalho apresenta um relato da experiência prática e uma crítica aos chamados Planos Municipais de Habitação Social, instrumento recente da política habitacional brasileira, inserida no marco geral da política urbana do país. É descrito o sistema geral de financiamento e estímulo à organização local do setor habitacional, especialmente àquele destinado à parcela da população normalmente excluída do mercado privado; é apresentado o PLHIS, seu movimento de implantação institucional e, a seguir, relatada a forma como os autores lidaram com o desafio de elaborar um tipo de plano relativamente inédito no panorama da atividade profissional. Finalmente, como conclusão, é feita a crítica ao arcabouço político-institucional e à estratégia de aplicação do instrumento, bem como desenvolvida uma breve reflexão sobre os resultados e a própria abordagem dos autores.

Palavras-chave: Habitação; Política Pública; Participação.
Aqui o link para o artigo em portuguës.

ps: este artigo foi apresentado em inglês. Para esta versão, siga este link.








segunda-feira, 22 de novembro de 2010

IFHP 2010: Hugo Priemus (15nov manhã)

Continuando com o dia 15 de novembro com as colocações do prof. Hugo Primeus, chamado de "Mr. Dutch Housing" pelo coordenador da mesa, indicando sua relevância no tema para o IFHP.
Começo por confessar que assisti a partes de sua manifestação pois estava envolvido com a apresentação que faríamos as 11h deste mesmo dia, portanto vou ser ainda mais conciso do que com a Saskia Sassen.
Como economista e arquiteto, Hugo parte de uma visão sistêmica da habitação social baseada nos sistemas de produção (e não tanto nas relações dentro deles), especialmente os aspectos mercadológicos do tema.
  1. Sugere o aluguel social como das melhores ferramentas para se fomentar o acesso a habitação sem, por um lado, engessar o morador numa realidade que na opinião de Hugo tem que ser transitória e por outro sem fixar os tipos a serem produzidos a um standard médio e genérico de necessidades habitacionais:
  2. Neste ponto, sugere que como o vínculo entre morador e moradia é passível de ser alterado, ele responde melhor tanto ao "mercado" de habitação social - por compor um estoque em permanente fluxo no "mercado" e por possibilitar padrões edificados diversos que respondem a diferentes necessidades e graus de intervenção do estado - quanto aos moradores que, partindo da premissa de que necessitam de ajuda do estado, podem utilizar-se desta ajuda pelo tempo necessário, sem ser congelados em uma condição única de moradia;
  3. Neste mesmo assunto, salienta como na Holanda o padrão de intervenção do estado é mais intenso, com financiamentos de taxa-social e regulação do mercado de aluguéis presentes para todas as famílias com renda até 33 mil Euros/ano (cerca de 43% da população) em conjunto com outras iniciativas (de produção de unidades novas, financiamento, etc);
  4. Um dado interessante que coloca é o percentual da população atendida pelas ações governamentais de habitação social:
    Holanda em 1992: 42% do mercado imobiliário residencial
    Holanda em 2010: 32% do mesmo mercado
    Países como a Alemanhã tem percentuais mais baixos e tratam a questão com menos intervenção do estado.;
  5. Relata que há um grande hiato entre a habitação de mercado e os programas sociais dos governos, que é monitorado pelos estados de bem-estar, mas que foi aumentado pelas lógicas liberais do século XX, sendo
    ALTO - Reino Unido
    BAIXO - Holanda e Alemanha (mas no caso da última a habitação social é entendida como transitória em um prazo de algumas dezenas de meses, poucos anos);
  6. Faz então uma análise do que chama do "valor agregado" da habitação social, construindo um sistema híbrido entre mercado e intervenção estatal marcado por alguns pontos:
    - Regulação do mercado imobiliário pelo estado para manter um mínimo de acesso e controlar especulação;
    - Influência no mercado pela intervenção estatal para que o primeiro alcance certos "públicos-alvo" definidos pelo estado como prioritários;
    - Estruturação de um quadro público de habitação entre produção de novas unidades, renovação urbana, aluguel social, arrendamento, etc;
    - Utilização do aluguel social em conjunto com a regulação do mercado de locações para prover moradia aos que tem renda;
    - Crucial o uso dos "vale-habitação" e financiamentos subsidiados ou controlados pelo governo como mecanismo de acesso da população à produção do mercado: se fomenta a venda do mercado e se garante a segurança social;
  7. Por último, lista algumas características macro-econômicas para instaurar este tipo de sistema:
    - Capitalismo saudável;
    - Mercado de terras regulado e com disposição a negociar;
    - Cadastros fidedignos e atualizados;
    - Finanças públicas saneadas - "saudáveis";
    - Democracia estável e direitos civis plenos;
    - Ausência ou controle da corrupção dos agentes públicos e privados
Ele conclui sugerindo - de maneira condizente com sua visão mercadológica do tema - que se aumente o "share" da habitação no mercado imobiliário residencial, através do incremento de sua qualidade, das possibilidades de escolha para os futuros moradores e diferenciação da produção.
Neste sentido, sugere um aumento gradual deste "share", através da intervenção do estado no mercado de modo a fazer a habitação social um "business case".
Espero que já tenha sido claro quanto a este tipo de solução, mas se não fui até aqui, evito entrar no assunto neste momento de modo a deixar as conclusões para os comentários futuros.
Devo seguir com as manifestções de Claudi Acioly da ONU-HABITAT, realizadas no mesmo dia do Congresso.

sábado, 20 de novembro de 2010

IFHP 2010: Saskia Sassen (14 nov)

Comecemos, então, do início:
14nov - noite: abertura com Saskia Sassen (socióloga, professora de Columbia atualmente)
  • Ponto de vista MUITO interessante considerando a habitação como tendo uma condição heurística, na qual não se encerra em sí mesma e que leva à socióloga a não encerrar as questões (quaisquer que sejam) sem considerar as razões de fundo que as geram ou potencializam;
  • Estabelece que os ricos estão ativamente agindo contra os pobres numa disputa por terra - que se desdobra em localização, acesso a recursos estretégicos, etc;
  • Passa então para o problema do sistema financeiro - e sua atual crise - com desdobramentos graves e profundos para o 3° mundo no médio prazo: será o destino dos capitalstas em buscas da lucratividade que não há no resto do mundo endividado da Europa e América do Norte;
  • Analisa a questão da habitação sob a ótica capitalista e sua falência: o "produto" em que se tornou e as subsequentes envolventes de especulação (crédito, especulação da terra, subprimes, derivativos em geral);
  • Mostra a curva de apropriação da "fortuna nacional" nos EUA de 1917 a 2002: anos da economia keynesiana forçaram uma "exploração digna" dos mais pobres (onde os 10% mais ricos possuíam 25% da riqueza) que acabou na era Reagan (passando rapidamente para 35% durante os anos 1980 e chegando a 45% em 2002).
  • A moral é que a inclusão pelo consumo pelo menos buscava incluir, enquanto hoje a exclusão é a base. Forma-se uma "população excedente" chamada de suprlus population pela socióloga;
  • Ao mesmo tempo, desde 1979 a 2007 o 1% mais rico da população acumula um aumento de sua riqueza (medida após a cobrança de impostos) de 281%, enquanto que os 20% mais pobres acumulam míseros 16%;
  • O drama ambiental a ser enfrentado no futuro muito próximo por grande parte da população mundial que deverá afetar a todos, mesmo que em maior medida e intensidade os mais vulneráveis;
A socióloga então concluí com a localização da solução para estes e outros conflitos nas cidades do mundo todo. A lógica da urbanização majoritária da população humana e o típico raciocínio urbano-cêntrico encontrado na frase conhecida de Jaime Lerner (que afirma que tanto os maiores problemas quanto suas soluções encontram-se nas cidades) é clara.
Saskia, no entanto, parece sucumbir por um momento a uma tentação de futurismo, creditando à tecnologia (as alternativas verdes, nanotecnologia, micro-biologia, etc etc etc) um potencial de revolucionar a qualidade do ambiente edificado. Nada de novo, como já vimos em relação a Artigas e mesmo na prática cotidiana de uma certa arquitetura.
Conclui realmente com a afirmação de que a complexidade ecologia das cidades contemporâneas será capaz de trazer, com convergência, as diferentes visões para ativar processos e ações que tragam a tona as capacidades das pessoas para criar cidades, de maneira a superar as contradições das lógicas dominantes, opondo-se aos aspectos ecologicamente danosos de nossa sociedade (traduções livres deste que escreve).
A seguir, pretendo comentar um pouco Hugo Priemus, chamado de Mr. Dutch Housing com sua visão sistematizada da produção habitacional.

Destaques recentes sobre habitação e urbanismo: 54° Congresso Mundial do IFHP em Porto Alegre

Na última semana estivemos intensamento envolvidos com um congresso mundial que ocorreu por aqui, em Porto Alegre. Acreditando na oportunidade de colocar lado a lado a nossa prática e o
conhecimento e experiência do "mundo civilizado" europeu e norte-americano, levamos a nossa versão dos fatos para lá com a idéia de apresentar nosso trabalho e pensamento e também de conhecer o panorama mundial do urbanismo e da habitação um pouco melhor. Ao menos o tanto que se consegue a partir de um congresso.
Pretendo aqui fazer um rápidíssimo relato - entre outras tarefas profissionais - dos pontos que mais chamaram a atenção ao longo do Congresso. Em uma série de posts, pretendo contar um pouco de cada palestra, comunicação, etc.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Planos Locais de Habitação e o dilema de pensar no futuro no Brasil

O ESTABELECIMENTO CONTEMPORÂNEO DA POLÍTICA HABITACIONAL MUNICIPAL

Os Planos Locais de Habitação de Interesse Social (PLHIS) são a expressão na escala municipal da política habitacional do governo federal a partir do estabelecimento do Estatuto das Cidades em 2001. A grande tarefa é, num sentido mais estreito, criar o planejamento deste tema nos Brasil inteiro, a partir de diretrizes universalizantes da escala federal que vão se transformando em políticas públicas na escala municipal na forma de programas, projetos e ações de curto, médio e longo prazo.

Como não é interesse aqui apresentar o que são os PLHIS ou discorrer generalizadamente sobre eles, proponho abrir a discussão com este tema mais específico, resistindo ao impulso de derivar para críticas ou promessas metodológicas e operacionais de soluções para a habitação.

A formulação do PLHIS deve ser oportunidade de organização das ações do município – ações existentes ou não, desencontradas, fragmentadas, escassas, ocasionais – rumo a uma política habitacional. Nesse sentido, é – após o Plano Diretor, que em tese todos os municíopios fizeram e vivenciaram como “fenômeno” social e político – uma iniciativa que recoloca a chance de estudar e entender a cidade, explicitando sua estrutura física e sócio-econômica, sempre em bases espaciais, determinando, portanto,
o que, como e principalmente onde).

Formaliza, portanto, a política pública de habitação de maneira a orientar e a permitir seu acompanhamento a curto, médio e longo prazo. Em consonância com o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social, os municípios também devem compor seus próprios Sistemas Municipais. A tese aqui é a de que se afastarão do causuismo ou oportunismo de buscar os recursos disponíveis baseados na conjuntura ou nas alianças políticas e econômicas de cada momento em direção a um caminho sustentado, analisado, verificável e previsível no tempo e espaço. Não serão os técnicos envolvidos com a realidade cotidana dos municípios e as caracerísticas mais terrenas – ou mesmo poeirentas – de seus territórios, no entanto, que acreditarão ou repetirão de maneira hipócrita uma hipótese que sabem não se consolidar imediatamente e que enfrentará, hoje ainda e por bastante tempo, resistências e contradições estruturais da gestão pública brasileira.

Os PLHIS entram como que “vestidos para a ocasião errada”, numa cultura de imediatismo não-planejado, pouco transparente e, de maneira mais grave na provisão habitacional que em outros segmentos, marcada pelo populismo eleitoral. Técnicos e funcionários municipais despreparados para a famosa accountability junto a sociedade, que têm visão formalista da prestação de contas e entendem a co-gestão como entrave na aplicação de sua experiência em ações práticas; estruturas de gestão labirínticas, conselhos pouco ou sequer organizados, fundos municipais sem recursos ou diretrizes de aplicação e execução dos instrumentos urbanísticos para gestão da terra inexistente ou circunscrita a formalização das tragédias existentes são alguns das contradições sobre as quais se sobrepõem em uma situação onde mesmo os Planos Pluri-anuais são o reconhecimento dos grandes volumes ocupados com as despesas municipais e da pequena parcela disponível – como um resto – para investimentos e melhoria dos serviços públicos.

Nesse contexto, percebe-se que, apesar de sua formalização e ideario “republicano” de execução, a política habitacional idealizada e cuja vanguarda são os PLHIS depende – para sua consolidação enquanto modelo de gestão prevalente – de saltos qualitativos importantes em todos os níveis de governo e que produzam impacto junto a sociedade civil – organizada social ou mercadológicamente. É interessante portanto – de maneira paradoxal ao menos – notar que no mesmo momento histórico em que o Governo Federal consolida – através de intenso e dispendioso esforço – o planejamento nacional do desenvolvimento urbano, desenvolve o maior programa habitacional da história do país (em termos de volume de recursos destinado ao menos) sem que este atente, sequer em suas idealizadas diretrizes, ao planejamento das cidades.

Visto pelo ângulo da finalidade, o PLHIS é elhor do que o Plano Diretor, por ser mais concreto, objetivo, real, desde a sua finalidade – que impõe uma abordagem determinada por tratar de um tema específico – a habitação – e por exigir a construção de um projeto ao seu final. Gera um documento que efetivamente serve como guia, como plano, ao propor ações e programas bem determinados, cronogramas, fontes de financiamento, metas e mesmo um sistema de monitoramento permanente com atenção a eficiência das ações e eficácia dos programas.

Esta condição formalizada dos encaminhamentos da política habitacional através de documento público – o Plano propriamente dito – é dos aspectos mais importantes na relação do poder público e população no âmbito da política habitacional. Para além dos quesitos de organização da gestão e mais próximo da execução das ações das políticas públicas, os PLHIS estabelecem caminhos com um princípio diagnosticado, pontos intermediários verificáveis e final objetivo para a ação de combate ao déficit que pode, de maneira facilitada (mas não garantida), abrigar a deliberação da sociedade através das estruturas conselhistas criadas. As ações passam a contar com termômetro de sua efetivação, que atesta a velocidade e qualidade com as quais produzem a cidade através da habitação social. Este aspecto instrumental da formalização da situação habitacional das cidades permite tanto aos gestores públicos interessados quanto a sociedade demandante organizada e o empresariado através de seus interesses realizar atividades de consertação de suas ações com horizontes a médio e longo prazo.

Assim, mesmo tendo característica administrativa – a sua base – tem desdobramentos espaciais e na forma de propostas (de investigação, como proposição de cenários, estudo de “viabilidades” e outros) concretas de curto prazo e sob a responsabilidade de agentes (desde já) determinados (poder público e privados articulados) ao contrário do Plano Diretor que é uma “carta de intenções” que remete a uma cidade ideal cuja concretização se dá em longo prazo e por múltiplos agentes desarticulados, ou seja, não se sabe quem fará o que e o cenário dificilmente se realiza, a bem dizer nunca se realiza por completo.

Repete, portanto, a estruturação mencionada acima de maneira territorial e através de agentes e escopos definidos. Encarna essa visão do compartilhamento das responsabilidades – e do poder e benefícios – sobre a política habitacional onde a sociedade como um todo deve atuar. Seja através de punições ao mau-uso e incentivos ao uso da terra urbana, esclarecimento quanto a destinação dos espaços da cidade, fomento a ação organizada das populações mais interessadas na produção pública de habitação, promoção da ação privada e organização dos investimentos públicos, os PLHIS podem consolidar em bases territoriais – reais e vivenciáveis portanto – as políticas públicas de habitação em escala local.

Este potencial depende logicamente das condições e dos limites impostos a sua formulação pelos diferentes agentes responsáveis e inerentes a sua aplicação pelo poder público sociedade civil dos municípios. No que tange aos técnicos envolvidos na sua produção enquanto documento, percebem-se contradições e limites da prática profissional. Alguns auto-impostos, outros conjunturais, mas que apontam a um grau de desigualdade entre os diversos PLHIS produzidos recentemente. Pretende-se explorar um pouco mais estes aspectos do “processo PLHIS” nos posts que seguirão este, se tudo correr bem.

Este artigo está sendo escrito a seis mãos, entre mim e os arquitetos Júlio C. Vargas e Tiago Holzmann da Silva.

DAS HABITATE

Por aqui andamos escrevendo artigos sobre temas habitados como a Comunidade Autônoma Utopia e Luta e sobre os Planos de Habitação.
Vou aproveitar e colocar algumas das discussões que temos tido menos moderadamente por aqui enquanto a versão final e mais séria não sai.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Pra não deixar passar

Achei um artigo muy interessante no "tanque de pensamento" Archis (derivado do OMA de várias maneiras e que publica a revista Volume nos EUA). É em inglês, mas trata de temas muito próximos dos quais falamos aqui no blorum faz tempo (ver as variações, futurismus). Vai lá:

Reasoning with Waves and Diagrams


January 16th, 2010 | Edwin Gardner


“the faculty of observing in any given case the available means of persuasion” *

"When I read this quote I think “Ah, this describes what designers do! This is a description of design thinking, This is an important facet of a designerly way of looking at the world, this is a tenet of architectural intelligence” The only thing that is defined from the outset of an architectural project is a site, a program, a budget and a client - this is the case from which the architect has to abstract the arguments for his/her actions. One can draw parallels from this description to how Donald Schön explains how the practitioner deals with a situation; the architect has to construct an argument, the design of architectural form, which takes advantage of a set of perceived and carefully selected features found in the situation, things that are there from the outset. (...)"

e por aí segue. >>Acesse no Archis.org.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

CAMPANHA E PLEBISCITO PELO LIMITE DA PROPRIEDADE DA TERRA

Como dá pra entender da charge do Angeli, a questão é bem mais grave do que distribuir a propriedade, o problema fundamental é a propriedade em si. Mas uma coisa nos ocorre, uma base de sietema social que todos acessem pode ser um passo para mudar o próprio sistema? De que forma isso deve ser feito?


A campanha
Criada em 2000 pelo Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo (FNRA), a Campanha pelo Limite da Propriedade da Terra: em defesa da reforma agrária e da soberania territorial e alimentar, é uma ação de conscientização e mobilização da sociedade brasileira para incluir na Constituição Federal um novo inciso que limite às propriedades rurais em 35 módulos fiscais. Áreas acima dos 35 módulos seriam automaticamente incorporadas ao patrimônio público.
Continue lendo aqui

Plebiscito Popular pelo Limite da Propriedade da Terra

De 01 a 07 de setembro

Articulado pelo Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo (FNRA), o Plebiscito Popular pelo Limite da Propriedade da Terra irá consultar a população brasileira sobre o tema entre os dias 01 e 07 de setembro, na Semana da Pátria, junto com o Grito dos Excluídos. Pelo direito à terra e à soberania alimentar: vamos às urnas mostrar nosso poder popular! A participação popular é um direito do povo, pois ela está na essência do conceito de Estado Democrático de Direito. Ela pode ser exercida pela via indireta, quando se elege pelo voto representantes que exercem o poder político em nome do povo, ou pela via direta, quando a sociedade se manifesta diretamente sobre temas relevantes para o país, por meio de plebiscitos, referendos ou iniciativa popular. 

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

MCMV = Mercatil Interéssis

Tirando um tempo dos atabalhoamentos cotidianos, li o artigo de julho do Pedro Fiori Arantes e da Mariana Fix, arquitetos e urbanistas de São Paulo, sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida. De maneira impressionante - pela clareza e didatismo - eles dissecam alguns aspectos cruciais do Programa em relação as suas capacidades de impacto na sociedade, ao destino dos seus benefícios diretos e indiretos e a sua veracidade enquanto política pública de inclusão social.
Sem parecer sensacionalistas e menos ainda ideológico-partidários - ao contrário desnudando as ideologias "embutidas" nos discursos aparentemente "neutros" - eles avaliam, em 11 pontos o Programa, chegando a visões muito claras.
Sem me alongar mais, repasso o texto do Correio da Cidadania, que orinalmente publicou o texto na sua seção de "Especiais".
Aqui o link para o artigo completo (recomendo essa versão) e abaixo, o texto copiado sem os comentários que gerou no site do Correio da Cidadania.

"
Pacote Habitacional de Lula é a privatização da política urbana

O pacote habitacional "Minha casa, minha vida", lançado em abril de 2009, com a meta de construção de um milhão de moradias, tem sido apresentado como uma das principais ações do governo Lula em reação à crise econômica internacional – ao estimular a criação de empregos e de investimentos no setor da construção –, e também como uma política social em grande escala. O volume de subsídios que mobiliza é de 34 bilhões de reais (o equivalente a três anos de Bolsa-Família), para atender a população de 0 a 10 salários mínimos de rendimento familiar. Por isso, o governo Lula tem destacado que o investimento, apesar de focado na geração de empregos e no efeito econômico anticíclico, tem um perfil distributivista, ao contrário do que provavelmente faria a oposição – um conjunto de obras diretamente de interesse do capital.

O objetivo declarado do governo federal é dirigir o setor imobiliário para atender à demanda habitacional de baixa renda, que o mercado por si só não alcança. Ou seja, é fazer o mercado habitacional, restrito no Brasil a uma parcela minoritária da população, finalmente incorporar setores que até então não tiveram como adquirir a mercadoria moradia de modo regular e formal. Se as "classes C e D" foram descobertas como "mercado" por quase todas as empresas nos últimos anos, ainda havia limites, numa sociedade extremamente desigual e de baixos salários, para a expansão no acesso a mercadorias caras e complexas, como a moradia e a terra urbanizada. Com o pacote habitacional e o novo padrão de financiamento que ele pretende instaurar, esses limites pretendem ser, se não superados, alargados por meio do apoio decisivo dos fundos públicos e semi-públicos, de modo que a imensa demanda por moradia comece a ser regularmente atendida.

Para os mais pobres, o subsídio é alto (entre 60% a 90% do valor do imóvel) e o despejo, no caso de inadimplência, é improvável. Para os demais, que entram em financiamentos convencionais, mas também subsidiados, o governo estabeleceu um "fundo garantidor" para cobrir prestações em atraso e preservar o sistema. O pacote é generoso com todos os que conseguirem nele entrar. Para as construtoras, a promessa é que "haverá para todos, grandes e pequenos", como se manifestou um empresário da construção recentemente. Entretanto, para os sem-teto, o atendimento previsto é para apenas 14% da demanda habitacional reprimida, do nosso déficit habitacional de ao menos 7,2 milhões de casas.

A seguir pretendemos apresentar uma discussão preliminar do pacote, a partir das informações, medidas e instruções normativas que foram divulgadas até o momento (julho de 2009), por meio de algumas questões que nos auxiliam a compreendê-lo.

1) Qual é o modelo de provisão habitacional que o pacote favorece?

97% do subsídio público disponibilizado pelo pacote habitacional, com recursos da União e do FGTS, são destinados à oferta e produção direta por construtoras privadas, e apenas 3% a entidades sem fins lucrativos, cooperativas e movimentos sociais, para produção de habitação urbana e rural por autogestão. O pacote não contempla a promoção estatal (projetos e licitações comandados por órgãos públicos), que deve seguir pleiteando recursos através das linhas existentes, com fundos menores, muito mais concorridos, e restrições de modalidades de acesso e de nível de endividamento.

Esse perfil de investimento já indica qual o modelo claramente dominante e a aposta na iniciativa privada como agente motora do processo. A justificativa é a dificuldade do poder público (sobretudo municipal) na aplicação de recursos induzindo o governo federal a optar por uma produção diretamente de mercado. Desse modo, ao invés de atuar para reverter o quadro de entraves à gestão pública, fortalecendo-a, assume a premissa de que a eficiência está mesmo do lado das empresas privadas.

A produção por construtoras, para a faixa de mais baixa renda, entre 0 e 3 salários mínimos por família (até 1.394 reais), é por oferta privada ao poder público, com valores entre 41 e 52 mil reais por unidade, dependendo do tipo de município e da modalidade de provisão (casas ou apartamentos). Uma produção "por oferta" significa que a construtora define o terreno e o projeto, aprova junto aos órgãos competentes e vende integralmente o que produzir para a Caixa Econômica Federal, sem gastos de incorporação imobiliária e comercialização, sem risco de inadimplência dos compradores ou vacância das unidades. O acesso às unidades é definido a partir de listas cadastradas pelas prefeituras. Nas faixas imediatamente superiores, de 3 a 10 salários por família, ou de "mercado popular", são previstas 600 mil unidades. Nesse caso a comercialização é feita diretamente pelas empresas e o interessado vai diretamente aos estandes de vendas ou aos cada vez mais concorridos "feirões da casa própria" patrocinados pela Caixa.

2) O pacote irá mesmo beneficiar as famílias que mais precisam?

A história do subsídio habitacional no Brasil é conhecida pela constante captura da subvenção pelas classes médias e agentes privados, ao invés de atender, na escala necessária, os trabalhadores que mais precisam. Embora essa tendência deva novamente prevalecer, há que se considerar o interesse político e eleitoral do governo em atingir a base da pirâmide.

De um lado, o governo quer que o subsídio favoreça o deslocamento do mercado imobiliário para faixas de baixa renda, onde obtém maiores dividendos políticos, enquanto o mercado quer aproveitar o pacote para subsidiar a produção para classe média e média-baixa, onde obtém maiores ganhos econômicos. Em ambos os casos, o mercado depende do governo para expandir a oferta e não do sistema privado de crédito, como nos países centrais. Ou seja, é um mercado que não é plenamente capitalista e acaba alimentado pelos fundos públicos. De outro lado, o governo depende do mercado para implementar uma política social, pois o sucateamento dos órgãos públicos, das secretarias de habitação e das Cohabs, além de questões ideológicas, impedem uma ação dirigida predominantemente pelo Estado.

O perfil de atendimento previsto pelo pacote revela, porém, o enorme poder do setor imobiliário em dirigir os recursos para a faixa que mais lhe interessa. O déficit habitacional urbano de famílias entre 3 e 10 salários mínimos corresponde a apenas 15,2% do total, mas receberá 60% das unidades e 53% do subsídio público. Essa faixa poderá ser atendida em 70% do seu déficit, satisfazendo o mercado imobiliário, que a considera mais lucrativa. Enquanto isso, 82,5% do déficit habitacional urbano concentra-se abaixo dos 3 salários mínimos, mas receberá apenas 35% das unidades do pacote, o que corresponde a 8% do total do déficit para esta faixa. No caso do déficit rural, a porcentagem é pífia, 3% do total. Tais dados evidenciam que o atendimento aos que mais necessitam se restringirá, sobretudo, ao marketing e à mobilização do imaginário popular.

Descolamento entre atendimento do pacote e perfil do déficit

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Fonte: elaboração própria a partir de dados da Fundação João Pinheiro para o déficit
calculado com base no IBGE para o ano 2000.

A faixa de 3 a 10 SM é a maior beneficiada, graças ao interesse do mercado

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Fonte: elaboração própria a partir de dados da Fundação João Pinheiro para
o déficit calculado com base no IBGE para o ano 2000.

3) Como o pacote mobiliza a ideologia da "casa própria"?

O pacote habitacional e sua imensa operação de marketing retomam a "ideologia da casa própria" que foi estrategicamente difundida no Brasil durante o regime militar, como compensação em relação à perda de direitos políticos e ao arrocho salarial. A promessa de casa própria, como marco da chamada "integração" social, já se viu, pode ser utilizada como substitutiva da emergência histórica do trabalhador como sujeito que controla a mudança social (seu sentido e alcance). Seja por coerção, cooptação ou consentimento, a promessa da casa própria pode promover um contexto de apaziguamento das lutas sociais e de conformismo em relação às estruturas do sistema.

Evidentemente que não se trata apenas de um fenômeno ideológico. A casa própria é percebida e vivida pelas camadas populares como bastião da sobrevivência familiar, ainda mais em tempos de crise e de instabilidade crescente no mundo do trabalho. Ela cumpre um papel de amortecimento diante da incompletude dos sistemas de proteção social e da ausência de uma industrialização com pleno emprego. Para os políticos, esta operação de marketing se faz necessária para amplificar os dividendos eleitorais, pois grande parte do pacote ocorre no plano do imaginário, dada a disparidade entre a promessa e o atendimento previsto. E, para o capital imobiliário, ela também é um excelente negócio.

4) O pacote favorece a desmercantilização da habitação, enquanto política de bem-estar social?

O volume de recursos públicos ou do FGTS destinados a subsidiar a operação dá a entender que se trata de uma imensa operação de distribuição de renda e de "salário indireto". A taxa de subsídio é alta para a faixa de 0 a 3 salários, que deve pagar 10% de seu rendimento ou o mínimo de 50 reais por mês, com juros zero, por um período de 10 anos. Mesmo que o desenho da transferência de renda seja positivo, é preciso compreender quais as intermediações sobre o recurso e seu resultado qualitativo, pois não se trata de uma transferência direta, como no caso do cartão Bolsa-Família.

Enquanto o trabalhador recebe uma casa com apenas 32 m2 de área útil (modelo proposto pela Caixa), provavelmente nas periferias extremas, a empreiteira pode receber por essa casa-mercadoria até 48 mil reais, ou 1,4 mil reais por m2.

Tal como é desenhado pelo pacote, o subsídio, neste caso, tem a família sem-teto como "álibi social" para que o Estado favoreça, na partição da riqueza social, uma fração do capital, a do circuito imobiliário (construtoras, incorporadoras e proprietários de terra). Na verdade, o subsídio está sendo dirigido ao setor imobiliário tendo como justificativa a "chancela social" da habitação popular.

5) O pacote colabora para a qualificação arquitetônica e a sustentabilidade ambiental dos projetos de habitação popular?

Mesmo não superando a condição da forma-mercadoria, o pacote poderia pretender qualificar minimamente os projetos de habitação popular, inclusive obtendo os dividendos eleitorais de casas mais funcionais, bonitas e sustentáveis. Para tanto deveria mobilizar agremiações profissionais e universidades, avaliar referências internacionais e nacionais, favorecer critérios de sustentabilidade ambiental etc. Do ponto de vista do processo produtivo, poderia favorecer iniciativas sérias de pré-fabricação, já aproveitando o conhecimento acumulado, por exemplo, pelas fábricas públicas de edificações (como as coordenadas por João Figueiras Lima).

Mas não há preocupação com a qualidade do produto e seu impacto ambiental, a não ser a que é posta pelo próprio capital da construção e suas pífias certificações de qualidade, que garantem na verdade sua viabilidade como mercadoria, ou seja, a ratificação da prevalência do valor de troca sobre o valor de uso. As condições materiais e simbólicas de conjuntos habitacionais desse tipo, como se sabe, promovem a segregação dos trabalhadores e a falta de qualidades mínimas de vida urbana e serviços públicos. Quem mora ou visita conjuntos habitacionais assim reconhece neles o mesmo arquétipo dos presídios.

6) O pacote favorece a gestão democrática das cidades e o fortalecimento das administrações municipais?

Os projetos não são formulados a partir do poder público ou da demanda organizada, não são licitados, não são definidos como parte da estratégia municipal de desenvolvimento urbano e podem inclusive contrariá-la. São estritamente concebidos como mercadorias, rentáveis a seus proponentes. Os municípios não têm um papel ativo no processo a não ser na exigência de que se cumpra a legislação local, quando muito. Não são fortalecidas as estruturas municipais de gestão, projetos e controle do uso do solo.

É provável ainda que os municípios sejam pressionados a alterar a legislação de uso do solo, os coeficientes de aproveitamento e mesmo o perímetro urbano, para viabilizar economicamente os projetos. As companhias habitacionais e secretarias de habitação devem estar preparadas para se tornar um balcão de "aprovações" e para doar terrenos à iniciativa privada.

7) O pacote favorece a reforma urbana e a função social da propriedade?

Na ânsia de poder viabilizar o maior número de empreendimentos, o poder local ficará refém de uma forma predatória e fragmentada de expansão da cidade. O "nó da terra" permanecerá intocado e seu acesso se dará pela compra de terrenos por valores de mercado (ou ainda acima destes). O modelo de provisão mercantil e desregulada da moradia irá sempre procurar a maximização dos ganhos por meio de operações especulativas.

Não há nada no pacote, por exemplo, que estimule a ocupação de imóveis construídos vagos (que totalizam 6 milhões de unidades, ou 83% do déficit), colaborando assim para o cumprimento da função social da propriedade. A existência desse imenso estoque de edificações vazias é mais um peso para toda a sociedade, pois são em sua maioria unidades habitacionais providas de infra-estrutura urbana completa, muitas delas inadimplentes em relação a impostos.

Não há dúvida que o pacote irá estimular o crescimento do preço da terra, favorecendo ainda mais a especulação imobiliária articulada à segregação espacial e à captura privada de investimentos públicos. Assim, a política habitacional de interesse social se tornará cada vez mais inviável, a menos que o governo siga dirigindo subsídios aos proprietários de terra.

8) Por que o pacote desconsidera os avanços institucionais recentes em política urbana no Brasil?

O pacote foi elaborado pela Casa Civil e pelo Ministério da Fazenda, em diálogo direto com os setores imobiliários e da construção, desconsiderando diversos avanços institucionais na área de desenvolvimento urbano bem como a interlocução com o restante da sociedade civil. O Ministério das Cidades (mesmo entregue em 2005 ao PP) foi posto de lado na concepção do programa, o Plano Nacional de Habitação foi ignorado em sua quase totalidade, o Estatuto da Cidade não foi tomado como um elemento definidor dos investimentos, o Conselho das Cidades sequer foi consultado, o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS), bem como seu Conselho, foram dispensados. O decreto do pacote ainda define um comitê de acompanhamento formado exclusivamente por integrantes do governo.

9) O pacote habitacional é uma política anticíclica acertada?

Ele é anunciado como uma política anticíclica com objetivos sociais – que, em última instância, o justificam e parece desobrigar seus propositores de demonstrar seu impacto nas cadeias produtivas. Mesmo que a indústria da construção tenha um efeito multiplicador positivo, no caso da habitação popular, que se reduz praticamente à base dos produtos (cimento, tijolo, areia, madeira etc), o poder multiplicador é muito menor.

Do ponto de vista da quantidade dos empregos gerados, não há dúvida de que, pela sua baixa composição orgânica (poucas máquinas), a construção civil é uma empregadora maciça. Mas qual a qualidade deste trabalho? O pacote não faz nenhuma exigência em relação às condições de trabalho nos canteiros (sabidamente precárias e cheias de riscos) e não há medidas para fortalecer a legislação e órgãos de fiscalização. A negociação entre governo e construtoras para definir o menor custo viável por unidade deverá redundar, ainda por cima, em um aumento da exploração dos trabalhadores.

O tempo lento dos investimentos habitacionais e a preocupação com a rentabilidade privada descaracterizam o pacote como política anticíclica keynesiana. Uma opção teria sido a criação de frentes de trabalho diretamente mobilizadas pelos governos, com gastos dissociados do rentismo imobiliário. Além disso, é preciso lembrar que o governo mantém o superávit primário, mesmo que em menor proporção, quando a base da política anticíclica é a criação de déficit público.

Se considerarmos que o pacote não é, na verdade, a melhor política anticíclica, o "emergencial" e o "quantitativo" devem deixar de ser razões absolutas para ser condicionados por determinações mais substantivas, de modo a que prevaleçam critérios urbanos, sociais e ambientais mais adequados para se avaliar e implementar uma política habitacional.

10) O pacote fortalece os movimentos populares?

Os movimentos sociais urbanos e seus apoiadores lutam há décadas por subsídios massivos para a habitação popular. A conquista do subsídio em grande escala, como vemos, pode ser capitaneada pelo capital da construção ao invés de fortalecer as organizações populares. Da perspectiva dos trabalhadores, a luta por quantidades (de recursos, de unidades habitacionais, de famílias atendidas) não pode estar desvinculada das qualidades – isto é, das relações de produção, da concepção dos projetos, das condições de trabalho nos canteiros, do valor de uso das edificações, da forma urbana resultante, enfim, das qualidades de todo o processo social envolvido.

Os recursos disponibilizados para a política gerida por entidades sem fins lucrativos, isto é, pelas organizações populares, correspondem a apenas 3% do total do subsídio e é restrita à faixa de 0 a 3 salários mínimos, justamente a que menos interessa às empresas. O recurso limitado também pode promover uma disputa entre os movimentos, que passariam a se digladiar ao invés de questionar a desproporcionalidade de valores em favor das empreiteiras e o modelo geral do pacote.

11) O pacote garante a isonomia entre campo e cidade no atendimento à moradia?

O pacote prevê 500 milhões de reais para o Programa de Habitação Rural. Os valores são irrisórios: menos de 2% do total de subsídio do programa e com teto de 10,6 mil reais por unidade habitacional, o que é claramente inviável para uma construção digna.

Do ponto de vista quantitativo são propostas 50 mil unidades habitacionais, o que corresponde a apenas 2,5% do déficit rural, de 1,75 milhões de unidades. Tais recursos não poderão, ainda, ser utilizados em assentamentos de reforma agrária, que deverão contar, daqui em diante, exclusivamente com recursos do Incra. Na verdade, a habitação rural, devido às dificuldades logísticas, distâncias entre lotes e limites para o ganho de escala, não despertou interesse das construtoras.

A precarização da política de habitação rural exprime uma incoerência da política habitacional com a de desenvolvimento regional no país, pois favorece o êxodo rural e o crescimento das precárias periferias urbanas. A maior quantidade individual de subsídios destinados à habitação urbana (cerca de 9 vezes maior ao subsídio do Incra) corrobora a divisão cada vez maior entre os padrões de cidadania no campo e na cidade e, por fim, fragiliza a reforma agrária, incentiva a migração e a inviabilidade crescente das próprias cidades.

Considerações finais

O problema da moradia é real e talvez seja um dos mais importantes no Brasil. Contudo o "Minha Casa, Minha Vida" não o formula a partir das características intrínsecas ao problema, mas sim das necessidades impostas pelas estratégias de poder, dos negócios e das ideologias dominantes. Ou seja, o pacote alçou a habitação a um "problema nacional" de primeira ordem, mas o definiu segundo critérios do capital, ou da fração do capital representada pelo circuito imobiliário, e do poder, mais especificamente, da máquina política eleitoral.

Programas de reforma urbana sensatos já foram formulados no Brasil nos últimos 50 anos, mas, a despeito dos esforços de movimentos populares e de técnicos progressistas, pouco se tornaram efetivos. Essa impossibilidade da reforma urbana no Brasil só pode ser entendida num contexto mais amplo, descrito por Florestan Fernandes como a "impossibilidade de um programa de reformas" em nosso país. No caso das cidades, contudo, um programa socialista nunca foi formulado no Brasil, dado o atraso, o idealismo ou o pragmatismo das discussões nesse campo. É preciso, no entanto, que ele seja imaginado coletivamente pelas forças de esquerda, sob pena de assimilarmos novas derrotas e acumularmos resignações, sem uma perspectiva clara do que fazer e pelo que lutar.

Mariana Fix é arquiteta e urbanista formada pela FAU-USP, mestre em sociologia pela FFLCH-USP e doutoranda no Instituto de Economia da UNICAMP. É autora de Parceiros da Exclusão: duas histórias da construção de uma nova cidade em São Paulo e São Paulo Cidade Global: fundamentos financeiros de uma miragem, ambos pela editora Boitempo.
E-mail: mfix@uol.com.br


Pedro Fiori Arantes
é arquiteto e urbanista, mestre e doutorando pela FAU-USP. É coordenador da Usina, assessoria técnica de movimentos populares em políticas urbanas e habitacionais, e assessor do curso "Realidade Brasileira", da via Campesina. É autor de Arquitetura Nova (Editora 34, 2002), e organizador da coletânea de textos de Sérgio Ferro, Arquitetura e trabalho livre (CosacNaify, 2006).
E-mail: pedroarantes@uol.com.br
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Lembrando que a versão integral do texto encontra-se disponibilizada no site do Correio da Cidadania, na seção de Especiais.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

O C.H.U.P.A

Mais gente louca com quem queremos aprender sobre política. O CHUPA (Comite Hermético Unificado Porto Alegrense) foiposto pra fora da braguilha revolucionária.

http://chupagora.wordpress.com/

"Num momento em que o deboche se tornou a regra dentro da política usual, só a sacanagem é capaz de responder à altura e desfazer o impasse: dizer o que todo mundo está pensando, mas acha que não pode dizer, porque ainda tenta jogar pelas regras."

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Musica de Revolução

Na linha dos acompanhamentos para um mundo futuro, mando essa história dos NetLabels a partir do DaDARaDIo.
O site é foda, tem muita coisa boa de música, especialmente jazz, uns lances experimentais e umas afrobrasilidades no Estética do Terceiro Mundo. Tudo isso, organizado por categorias, bem formatado e com uma presença gráfica muito boa.

Além disso, vai o toque de outro projeto interessante, que é o do Barulho.org, e de alguns NetLabels, como o Phlow, TestTube e o grande Jamendo.






Isso aí! É a música em revolução.

Paralelos com ARQ existem, mas mostram como nos estamos (ou continuamos) atrás das outras artes. Pergunto-me: porque a arquitetura popular não tem qualidade como a música popular e porque a arquitetura "informada*" não conquista o povo, ou carece de impacto real nas suas oxigenações do pensar e fazer o construído.

Será questão de suporte apenas? Claro que música se faz com um dois três ou mesmo vários instrumentos, mas essencialmente todos cabem em uma ou duas peças de uma edificação. Além disso, somos um dos segmentos mais dominados pela grana - base pra nossa atuação tradicional e ainda necessária para quase todas as alternativas.

*não quero dizer erudita, porque essa anda parelha com a música erudita, que ninguem escuta e quem escuta não entende hehe