terça-feira, 15 de julho de 2008

Michael Sorkin - A Vanguarda nos tempos de Guerra

Como seus pares civis, os planejadores militares são especialistas em zoneamento. Depois da primeira noite de “terror e pânico”1 no Iraque em 20 de março de 2003, os norte-americanos foram introduzidos em um bairro de mal, uma concentração contínua da arquitetura do regime de Saddam, uma área de escuridão, precisamente demarcada por uma linha vermelha para tornar-se um caldeirão pirotécnico, pronta para a aproximação desde o telhado dos Hotéis Al Rashid ou Palestine. Pontos no mapa sugerem que administramos a correta dose corretiva quando necessária. Ao tornar patológico antecipadamente tudo que atingimos, o sonoro problema do dano colateral foi tornado óbvio: somente renovação urbana. Realmente, de acordo com matéria de Daryl G. Oress em 26 de março de 2003 no jornal New York Times, Baghdad era particularmente bem projetada para invasão. Carecendo de edifícios altos e cortada – ao contrário de Grozny e Mogadishu – por amplos boulevares, o terreno da cidade não era, como Press escreve laconicamente, “ideal para defesa urbana”.
Havia algo de revelador na coincidência do planejamento final no Ground Zero com a violenta limpeza do local e a prometida reconstrução no Iraque. Mesmo antes da guerra, o Times publicou que a administração havia convidado Bachtel, Fluor, Halliburton, Parsons, Washington (sucessor a Morrison-Kudson), e o grupo Berger para realizarem lances de bilhões de dólares em projetos via um processo expedito. “ Bechtel ficará orgulhosa de reconstruir o Iraque”, um porta-voz foi visto dizendo e certamente eles ficariam orgulhosos de ter um pouco da ação no centro de Nova Iorque também. O Iraque necessitariasua própria corporação de desenvolvimento e a administração sugeriu que estes contratos fossem supervisionados por uma “autoridade interina” (sombras da Corporação de Desenvolvimento da Baixa Manhattan e da Autoridade Portuária2) , que responderia somente aos seus superiores. Guerra começa como a extensão do planejamento por outros meios.
Nossa própria resposta como arquitetos foi pouco inspiradora. A voz política da arquitetura fala muitas linguas e não há razão para assumir que nossas visões – sem mencionar nossos estilos de expressão – devam ser uniformes. Ao contrário, a liberdade (e seu produto a diferença) é o repúdio da univocalidade. Ao mesmo tempo, esta latitude expressiva não significa o relativismo infinito, no qual a defesa do princípio é tornada inerte pela idéia de tolerância que reduz as relações socias a uma selva Hobbesiana de puro oportunismo e vale-tudo. Em particular, olhamos para nossa vanguarda como uma resposta ao poder para nossos próprios alvos de oportunidade. A vanguarda sempre carrega a idéia política da derrubada do status quo. Para escapar o simples nihilismo, no entanto, deve haver alguma visão integral do bem, mesmo que em forma obscura no momento presente. Infelizmente, nossas resposta a destruição da cidade pela globalização neoliberal ou pela guerra neo-colonial produziu pouca especulação construtiva sobre o futuro do urbanismo. Ao vermos o desastre iminente, muitos de nossos melhores simplesmente abraçaram-no: arquitetos em demasia têm tornado-se proponentes do inchaço das cidades3 e da mentalidade da solução-padrão4 que estrangulam a terra.
Mas que idéias da boa cidade valem realmente defender? E como a vanguarda arquitetônica pode usar sua quiver de inovação e transgressão para defende-las?Para mim, a cidade confronta quatro desafios principais na realização de seu futuro, das quais todas têm implicações formais.A primeira delas é a sustentabilidade, a idéia de que números e recursos têm que ser equilibrados de maneira a conservar e melhorar a saúde tanto das cidades quanto do planeta. A segunda questão é acesso. Isto traz tando tanto a justa distribuição global de recursos e a liberdade na cidade que é um direito fundamental da cidadania urbana. O terceiro é a privacidade ante a multiplicação de técnicas de vigilância e manipulação que nos prevêm de formar e manter livremente nosso sentido de subjetividade. Finalmente, as valiosas ecologias cultural e físicas devem ser preservadas. Nenhuma forma inteligente de urbanismo pode se omitir ante a defesa de seu sucesso histórico.
Em um planeta que se urbaniza exponencialmente, a cosntrução de cidades novas e sustentáveis é uma necessidade urgente e ainda não nos colocamos a altura do desafio. Dada a luta entre os objetivos que listei e as pressões de uma globalização sem limites e a militarização da cultura, os desafios estão tanto em construir estas cidades quanto em achar os meios para expressar a individualidade. Nem as visões nostálgicas nem as depredações do planejamento através da visão inefável do mercado serão suficientes: não são apenas as bombas que obliteram. Este assalto põe a prêmio a invenção artística, a criação de objetos singulares que sejam sustentáveis maleáveis e belos. É aqui que a vanguarda engajada torna-se mais crucial que nunca.
Se a vanguarda terá uma importância além da indulgência é tempo de excesso e é tempo de conversas direta para a rendição da ironia e da inteligência que salta aos olhos a torrente de demandas por um mundo melhor. A estratégia de vanguarda depende sempre demais em alguma forma bem-intencionada de mau comportamento, em borrar velhas certezas. Mas o totalitarismo atropela as ambiguidades todo o tempo.Guerra é o mau comportamento máximo e os espertos políticos no controle da carnificina do Iraque – ao apresentar-se constantemente como vanguarda (inventores da “revolução dos assuntos militares” e pioneiros dos “novos campos de batalha”) – tentam suplantar sua própria selvageria ao dar forma renovada a ela. Temos que fazer melhor que isso. O que é necessário são propostas claras na escala dos globalizadores, cidades inteiras imaginadas do zero, grandes blocos de realidades alternativas. Contra a estética da alienação e aniquilação temos que responder com formas novas de sobrevivência e alegria. A Arquitetura tem que ir ao campo de batalha.

notas:
1 shock and awe no original, nota do tradutor
2 Lower Manhattan Development Corporation e Port Authority no original, N.T.
3 Sprawl no original, N.T.
4 One-size-fits-all no original, N.T.

texto extraído do livro The State of Architecture at the Beggining of the 21st Century, TSCHUMI, Bernard et CHANG, Irene (editores). The Monacelli Press, Nova Iorque: 2003.